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Segurança pública não se faz com sangue

A operação mais letal da história do Rio de Janeiro, a Operação Contenção, nesta terça (28), expõe o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado e coloca a cidade em estado de terror.

A chacina que se desenrola desde as primeiras horas desta terça-feira (28), nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, inscreve-se em um longo e trágico histórico de matanças cometidas por forças policiais no estado — apresentadas, equivocadamente, como política pública. Até o momento, já são 121 pessoas mortas em uma única operação — a mais letal da história do Rio de Janeiro. 

A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro, superando seus próprios recordes anteriores registrados no Jacarezinho (2021) e na Vila Cruzeiro (2022). O que o governador Cláudio Castro classificou hoje como a maior operação da história do Rio de Janeiro é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro. 

Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de “guerra” ou “resistência à criminalidade”. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação.

Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública.

Esse ciclo de violência não é acidental: ele decorre de uma estratégia deliberada que privilegia o confronto armado em detrimento de qualquer compromisso com a vida e com a legalidade. Durante seu pronunciamento, o governador ainda tentou responsabilizar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 635 — a ADPF das Favelas — e as organizações da sociedade civil que atuaram por sua implementação, pela letalidade da operação. Ao fazer isso, ataca o controle das polícias, papel constitucionalmente atribuído ao Ministério Público, e busca deslegitimar o trabalho das entidades que lutam pelo direito à vida nas favelas.

Castro ainda atuou politicamente para esvaziar a ADPF 976 no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de liberar as forças de segurança de obrigações legais como planejamento prévio e preservação de vidas.

O Manual sobre o Uso da Força e Armas de Fogo por Agentes da Segurança Pública, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), estabelece princípios fundamentais que devem orientar toda ação policial: legalidade, necessidade, proporcionalidade, precaução e responsabilidade. As operações conduzidas pelo Estado do Rio de Janeiro violam frontalmente todos esses parâmetros, configurando uma prática sistemática de uso ilegítimo da força letal.

O Brasil e o Estado do Rio de Janeiro já foram reiteradamente advertidos pela Organização das Nações Unidas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caráter racista e discriminatório da política de “guerra às drogas”, que define quem morre e quem vive nas favelas e periferias. O Estado fluminense acumula duas condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos — pelas chacinas de Acari (1990) e Nova Brasília (1994 e 1995) — e segue reproduzindo o mesmo padrão de violência. Nos últimos dez anos (2014–2024), 5.421 jovens de até 29 anos foram mortos em intervenções policiais, segundo o Instituto de Segurança Pública.

Desde os anos 1990, sucessivos governos ignoram propostas de segurança pública orientadas pela prevenção, pela redução da violência e pelo fortalecimento de direitos. O investimento segue voltado ao confronto, com resultados trágicos e repetidos: mais mortes, mais dor e nenhuma segurança. 

O que se testemunha hoje é o colapso de qualquer compromisso com a legalidade e os direitos humanos: o Estado substitui a segurança pública baseada em direitos por ações militares de grande escala. Sob o pretexto da “guerra às drogas”, instala-se um estado de insegurança permanente, voltado contra a população negra e pobre das favelas.

Não há justificativa para que uma política estatal, supostamente voltada à proteção da sociedade, continue a ser conduzida a partir do derramamento de sangue. A segurança pública deve garantir direitos, não violá-los. As moradoras e os moradores das favelas têm direito à vida, à integridade física e à paz — e isso não é negociável.

Rio de Janeiro (RJ), 28 de outubro de 2025.

  1. Anistia Internacional Brasil
  2. Justiça Global
  3. Centro de Estudos de Segurança e Cidadania — CESeC
  4. Conectas Direitos Humanos
  5. Centro pela Justiça e o Direito Internacional — CEJIL
  6. Instituto Papo Reto do Complexo do Alemão
  7. Movimentos
  8. Redes da Maré
  9. Instituto de Estudos da Religião — ISER
  10. Observatório de Favelas
  11. Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin
  12. Movimento Unidos dos Camelôs
  13. Grupo Tortura Nunca Mais — RJ
  14. Fórum Popular de Segurança Pública do Rio de Janeiro
  15. CIDADES – Núcleo de Pesquisa Urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
  16. Instituto de Defensores de Direitos Humanos — DDH
  17. Iniciativa Direito Memória e Justiça Racial 
  18. Frente Estadual pelo Desencarceramento — RJ
  19. Instituto Terra Trabalho e Cidadania — ITTC
  20. Associação de Amigos/as e Familiares de Pessoas Presas e Internos/as da Fundação Casa — Amparar
  21. Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares — GAJOP
  22. Instituto Sou da Paz
  23. Rede Justiça Criminal
  24. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional — FASE RJ 
  25. Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares — RENAP RJ
  26. Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
  27. Casa Fluminense
  28. Plataforma Justa
  29. Núcleo de Estudos e Pesquisa Guerreiro Ramos – Negra-UFF 
  30. Comissão Arns
  31. Educafro
  32. Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades — CEERT 
  33. Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
  34. CDH Sapopemba
  35. Coalizão pela Socioeducação 
  36. Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social — CENDHEC
  37. Criola
  38. Associação Brasileira de Imprensa — ABI
  39. Decodifica
  40. Rede Liberdades
  41. Terra de Direitos
  42. Pastoral Carcerária Nacional
  43. Instituto de Defesa do Direito de Defesa — IDDD
  44. IDEAS — Assessoria Popular
  45. Centro de Integração na Serra da Misericórdia — CEM
  46. Movimento do Ministério Público Democrático — MPD
  47. Instituto Marielle Franco
  48. Aliança Nacional LGBTI+
  49. Associação Brasileira de Famílias Homotrasnafetiva – ABRAFH 
  50. Grupo Dignidade
  51. Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX)
  52. Centro Paranaense de Cidadania (CEPAC)
  53. Gay Latino
  54. Plan International Brasil
  55. Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos — FADDH
  56. Transparência Internacional – Brasil
  57. Fundação Tide Setúbal
  58. Inesc instituto de estudos socioeconômicos
  59. Instituto Democracia em Xeque
  60. Rede A Ponte
  61. Brazil Office Alliance
  62. Kurytiba Metropol
  63. Escola da Democracia
  64. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)
  65. Oxfam Brasil
  66. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM
  67. Rede Conhecimento Social
  68. Laboratório de Políticas Públicas e Internet — LAPIN
  69. O Joio e O Trigo
  70. Instituto Alziras
  71. Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito 
  72. Instituto Foz
  73. Movimento Mães em Luto da Zona Leste
  74. Movimento Mães de Cárcere
  75. Grupo de pesquisa Violências de Estado e reparações: interdisciplinaridades e interseccionalidades na perspectiva de raça gênero, classe e território
  76. Centro de Direitos Humanos de Sapopemba Pablo Gonzáles Olalla — CDHS
  77. Anjos do Gueto
  78. Cedeca Sapopemba
  79. Agenda Nacional pelo Desencarceramento
  80. Coletivo Vozes de Mãe 
  81. Movipece 
  82. Delibera Brasil
  83. Transparência Eleitoral Brasil
  84. Observatório do Trauma Psicopolitico — USP/UNIFESP
  85. Grupo de Pesquisa Direitos Humanos,  Democracia e Memória do Instituto de Estudos Avançados da Usp
  86. Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política do Instituto de Psicologia da Usp
  87. Grupo de pesquisa “Violências de Estado e reparações: interdisciplinariedades e interseccionalidades na perspectiva de raça gênero, classe e território”
  88. NCAF-SGD – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes, Famílias e Sistema de Garantia de Direitos.  PPGSS-PUCSP
  89. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Aprofundamento Marxista — NEAM/PPGSS-PUCSP
  90. 4daddy 
  91. ANDI — Comunicação e Direitos
  92. Instituto Physis — Cultura & Ambiente
  93. Frente Estadual pelo desencarceramento Ceará
  94. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí
  95. Rádio Novelo
  96. Instituto Pro Bono
  97. Frente Estadual pelo Desencarceramento Paraná
  98. Clínica de Direitos Humanos da Unifesp
  99. Projeto Reparações do Caaf/Unifesp
  100. Comitê Defend Democracy in Brasil- Nova York-Estados Unidos
  101. A Frente Estadual pelo desencarceramento da Bahia
  102. Coletivo de Familiares de Pessoas Privadas da Liberdade — Bahia 
  103. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
  104. Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência
  105. Rede  Nacional de Mães e Familiares de Vitimas do Terrorismo do Estado
  106. Movimento Candelária Nunca Mais
  107. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Santa Catarina
  108. Fórum Popular de Segurança Pública /Ceará
  109. Movimento Mães do Curió 
  110. Rede de Mulheres Negras do Ceará
  111. Instituto Negra do Ceará
  112. US Network Defend Democracy- USNDB
  113. Coletivo – RJ Memória , Verdade, Justiça e Reparação
  114. Proyecto de Derechos Económicos, Sociales y Culturales — ProDESC/México
  115. INREDH — Ecuador
  116. Centro de Estudios Legales y Sociales — CELS
  117. Artigo 19 Brasil
  118. Artigo 19 América do Sul
  119. Derechos Digitales
  120. WOLA — Oficina en Washington para Asuntos Latinoamericanos
  121. Fundación Cristosal
  122. Centro de Políticas Públicas y Derechos Humanos — Perú EQUIDAD
  123. Coordinadora de Derechos Humanos del Paraguay — Codehupy
  124. Consorcio Oaxaca
  125. Greenpeace Brasil
  126. The Intercept
  127. Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad — Dejusticia
  128. Frente Distrital pelo Desencarceramento – DF
  129. Rede Nacional de Pesquisa em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes
  130. Aliança Brasil Office
  131. Rede pela Soberania 
  132. Vote Nelas Nacional
  133. Observatório Social de Mato Grosso
  134. Instituto Procomum
  135. Instituto Cidade Democrática
  136. Instituto GENi- Gênero e Interseccionalidades
  137. ActionAid Brasil